Sofro de um mal meio incurável: todas as vezes que as coisas vão bem, e entenda essa vaga expressão como preferir, eu não consigo aceitar a bonança. Curti-la? Jamais. Quando estou me divertindo, sempre acho que estou me divertindo demais; quando conquisto algo que queria, logo já penso em qual será a pegadinha por trás dessa gentileza do universo que deve ser falsa; quando sou abençoada com um raro dia em que peito e cabeça parecem livres de anseios, a própria ausência de preocupações me preocupa e, pronto, em um piscar de olhos, já estou de volta no loop.
Como tÃpica proprietária de um diagnóstico de ansiedade, estou sempre à mercê dessa paranoia residual, que me mantém em um constante estado de alerta para todos os cenários catastróficos que podem decorrer de qualquer coisa boa. Não é como meu medo de pombas, que podem comprovadamente voar para cima de mim na calçada - é um medo de algo que não tem nome nem forma, mas que está sempre à espreita, esperando para tirar de mim tudo que tenho; um medo que me faz certa de que, quanto maior a minha altura nessa escada chamada vida, maior será a minha queda. E ela acontecerá. É como se eu estivesse eternamente antecipando o momento em que meu corpo não dará mais conta de se equilibrar nesses degraus.
Essa coisa sem nome nem forma não se apresenta, mas me sussurra: você devia continuar na altura segura, na altura que você conhece.
E para tentar estar sempre um passo à frente dela, me conduzo com um crivo cruel e exigente de perfeição, antecipando meus próprios passos, antecipando os passos dos outros, enfim, apenas antecipando tudo que possa ser antecipado. Você devia continuar na altura segura. Para eliminar todos os riscos de queda, sofro por todos eles, simultaneamente, mesmo que nenhum tenha se concretizado até o presente momento.
Dia desses, escrevendo para mim mesma, me dei conta de que botar a caneta no papel é um dos únicos momentos em que estou verdadeiramente no presente, mesmo embora divagando sobre o futuro muitas vezes. Estar no aqui e no agora é a falta que me gera angústia e também a âncora que me assegura de que as elevações da vida vão seguir se colocando à minha frente para serem vividas, tanto quanto as rasteiras que ela dá. Elas se embolam, se intercalam, se sobrepõem, até. Me esqueço com frequência de que não há como eliminar riscos de nada.
Não escrevo isso na esperança de encontrar um manual de instruções para quebrar a matrix dos eternamente paranoicos (não posso negar que gostaria), mas acho que o problema, para além de simplesmente ter medo das quedas, está justamente em encarar as coisas por essa ótica de subidas e descidas: a vida não é vertical. Os calores no coração, tais quais as dores, são exclusividades de quem vive. E há que se permitir viver - mesmo quando (principalmente!) as coisas não estão todas perfeitamente alinhadas em seu devido lugar.
oie, por aqui eu batizei de "sÃndrome da desgraça iminente" :)
Meudeus mulher, parece que você reuniu as palavras bagunçadas do meu cérebro e escreveu esse texto kkkkkk obrigada!!! Obrigada pelo texto que agr posso mostrar pra minha psico, p amigos e familiares e falar olha é isso que tá acontecendo... E obrigada por me mostrar que eu não sou a única presa nessa montanha russa!!