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Meus pais têm um sítio nos arredores de Sete Barras, no Vale do Ribeira. É bem distante da cidade em si - a placa do limite territorial do município fica quase na borda da propriedade, meu costumeiro referencial para saber que estamos chegando -, qualquer ida ao supermercado ou à farmácia exige uma meia hora de estrada, e a única opção que não nos torna completamente incomunicável é a franquia de internet rural. Por todos os lados, um pedaço da Mata Atlântica, úmida e densa até nos dias mais secos, arrebatadora na sua quietude impenetrável.
Ao chegar, o ritual obrigatório: abrir a casa, montar as cadeiras e redes de descanso na varanda, arranjar qualquer coisa para comer. Os matizes do céu se escurecem sob a paleta do crepúsculo, completamente salpicados de estrelas, e eu não consigo conter o típico comentário de gente-de-cidade-grande: nossa, há quanto tempo não vejo um céu estrelado. “É bom aproveitar enquanto dura”, diz minha mãe, “vai chover o final de semana todo”. Eu me recuso a aceitar a previsão. Sou um chamariz humano de chuva quando viajo, mas preciso de dias ensolarados desesperadamente, recém-saída de férias após uma sequência de semanas enclausuradas em um ritmo de trabalho desmedido, um emaranhado de angústias e pontos de interrogação esperando pelo desembaraço.
"Vai fazer sol, sim”, eu digo, meio para minha mãe, meio para mim, e mais um meio para quaisquer forças da natureza que possam estar me ouvindo: um desafio.
Fábio e meu pai vão atrás de cervejas geladas no bar mais próximo. Impacientes, eu e minha mãe improvisamos caipirinhas com uma garrafa de vinho tinto começada na geladeira. O céu não dá sinais de se anuviar com a chuva iminente, as estrelas ainda afincadas sobre nossas cabeças, e eu me agarro à esperança silenciosa por dias ensolarados. Os contornos da lua crescente surgem por entre as árvores do pomar e minha mãe coloca duas cadeiras sobre o gramado para nos estirarmos, munidas de nossas caipirinhas e de Xande cantando Caetano na caixinha de som. Falamos pelos cotovelos, as duas. Me sinto doente. Rendida. A lua crescente me olha diretamente nos olhos e me diz: calma. Ela me diz que já posso relaxar a mandíbula, as têmporas. Ventos com cheiro de chuva varrem as folhas ao nosso redor, mas nenhuma nuvem vem se colocar entre eu e ela. Tem algo nesse momento que nasce e se enraiza dentro de mim. Não digo nada.
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Durante a madrugada, escuto o barulho da chuva que cai incessantemente, e aceito minha própria derrota antes de voltar a dormir. Acordo cedo, letárgica e resignada ao imenso cinza, mas é o sol quem invade a cozinha pelas frestas da janela, fachos de luz dançando com a fumaça do café recém-coado. Teu santo é tão forte que mudou até a previsão do tempo, diz minha mãe. Penso em escrever sobre isso, mas algo tem segurado as palavras dentro de mim. Eu acolho sua presença em silêncio.
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Na horta e no pomar, há um pouco de tudo. Alface, couve, rabanetes. Ervas para banhos e chás: arruda, boldo, melissa, manjericão. Pés carregados de amoras. As lichias começando a despontar em flor. Eu e minha mãe colhemos salsinha, cebolinha, uma porção de cenouras. Descobrimos que a folha da cenoura é rica em fibras e pode ser aproveitada. Dividimos as folhas e temperos em porções para levar embora para São Paulo e distribuir. Observo o que se tornou a rotina de meus pais: colher, separar, preparar, compartilhar com os seus. Os limões, as pencas de banana, as geleias caseiras de goiaba, carambola e acerola, experimentos que deram certo. A partilha. Penso nas inúmeras discussões que já tivemos em época de eleições, nas veladas e nas escancaradas, no quanto divergimos sobre um tanto de tudo; penso nisso com as folhas de cenoura se emaranhando por entre meus dedos, a vida mais coletiva que eles abraçam sem nem se dar conta e eu também. Confluímos, enfim. Ainda no meu silêncio, deixo isso estar.
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Descemos uma encosta longa e íngreme no meio da trilha que circunda a propriedade. Ao chegar lá embaixo, uma entrada quase imperceptível na mata leva a um riacho. Eu molho os braços e pernas nas suas águas, torço para que levem embora uma porção de coisas que carrego comigo, e o momento se traduz em palavras que ainda não encontraram o caminho de saída.
Penso em tudo que me percorreu na quietude dos últimos dias, das últimas semanas, meses, até. O caderno, guardado na mochila, intocado; em casa, assim também tem permanecido sobre a escrivaninha. Não me forço a absolutamente nada: minha escrita também é instintiva, e aceito seu recolhimento tanto quanto sua manifestação. Acho que há muita grandeza em viver as coisas sem dizê-las, ou, ainda, sem nem saber dizê-las de imediato: me torna mais curiosa, mais obstinada. Investigo o que me atravessa, vasculho meu inventário de vivências nomeadas, dou lugar ao que é novo. No princípio era a Palavra, mas antes dela já havia o silêncio. Quando menos espero, ela se materializa em mim - e escrevo.
Eita, eita eita heim.....Fazia tempo que eu não pingava por aqui. É a Vida corrida nos pensamentos. As vezes olho o aviso no email, mas deixo pra depois ler e pimmmmbbbaaa lá se foi mais um post pro passado sem ler. rs... Mais um texto cheio de "deixas", ou spin off's pra falar mais na modinha dos seriados e filmes da atualidade, heim?! Só o "...colher, separar, preparar, compartilhar com os seus..." já mereceria algumas páginas de digitação ou horas de bate papo. Bem, quanto mais envelheço e mais me questiono, mais percebo que o sentido da vida está em "Colher, separar, preparar, compartilhar com os seus". Eu adicionaria mais um verbo a esta frase e ela se encaixaria com perfeição numa sinopse do que entendo ser o enredo de uma vida. Esse verbo é Plantar. pra começar a colher é preciso plantar. Sem plantio não há colheita. Percebo que na vida sempre estamos colhendo o que plantamos, seja com palavras, sentimentos ou atitudes. Parece até meio lugar comum dizer isso, mas tenho aprendido que esse lugar comum é tão comum que passamos por ele como se passássemos pelo mar sem notar a grandiosidade dele, ou pelo amanhecer sem notar a quantidade de beleza que existe num amanhecer. O lugar comum é "colhemos o que plantamos". E a analogia com as verduras sendo colhidas e imaginando isso sendo feito por vc e sua mãe estatelou em meus pensamentos o "plantamos o que colhemos", simples assim. Difícil compreender isso, mas acredite-me, tudo o que nos faz tristes ou alegres tem relação direta com o que plantamos.... como te explicar isso? Não consigo....é como ser o uma testemunha ocular de algo que só eu vi. Cada um deve buscar testemunhar, e não esperar que algum órgão governamental diga que é verdade. Vai esperar pela eternidade. Estou somente dando uma sugestão de direção!!!!! Ok!?
E sobre o "...Acho que há muita grandeza em viver as coisas sem dizê-las, ou, ainda, sem nem saber dizê-las de imediato: me torna mais curiosa, mais obstinada....", que bom que estamos percebendo isso. Estou me incluindo nesta percepção tb. Quantos momentos tristes eu teria evitado, se não dissesse coisas em momentos inoportunos. Mesmo que estivesse certas e justas. Quanta energia desperdiçada tolamente teria evitado. Mas enfim, é por aí que adquirimos sabedoria, no silencio para meditarmos sobre o que dizer e em que momento dizer. Vou compartilhar uma pequena frase dita por um mestre em uma noite de terça-feira em algum momento da eternidade: "Sentir antes de pensar e pensar antes de dizer!". Eu diria que vão mais algumas horas pra entender esta frase. Um dia compartilho outras que são um pouco mais diretas e controversas e que costumam deixar pessoas indignadas por alguém te-las dito, mas que a eternidade costuma mostrar como estão certas, pra não dizer perfeitas.
Ahhh e as "...discussões que já tivemos em época de eleições, nas veladas e nas escancaradas, no quanto divergimos sobre um tanto de tudo..." rs....e que não teve as discussões??? As vezes percebo que o Universo é tão perfeito, que nos coloca pessoas em nossos caminhos com as quais podemos ser nós mesmos, sem máscaras. E digo sem máscaras, por que lá no fundinho sabemos que se, estas pessoas, trocaram nossas fraldas, sabemos que podemos contar com elas pra sermos nós mesmos, em nossas indignações, palavrões e caras fechadas. Ahhhhhhhhhhh se fizéssemos o mesmo com outras pessoas, e mostrássemos a nossa maneira de lidar com discussões, de forma aberta e escancarada....rs.....consegue imaginar que não resistiríamos 2 min? recebendo soco e ponta pés verbais ou físicos? Ou pior, talvez seríamos apunhalados pelas costas sem saber quem foi. O que é muito comum em nossas vidas, diga-se de passagem.
"...torço para que levem embora uma porção de coisas que carrego comigo..." não precisa torcer, basta confiar que isso acontece, e isso acontecerá. Da mesma forma que, se bem cuidada, uma semente floresce, mesmo que não se entenda os mecanismos pelos quais ela floresce. Ela simplesmente floresce. Confie que as águas levem aquilo que não te pertence e elas levarão. Não busque comprovações humanas para isto. Simplesmente faça, confie e siga em frente. E depois, cuide para que você não absorva novamente aquelas coisas que não te pertence. Quanto mais estiver empenhada nesse cuidar, mais as águas te aliviarão. Isso, é só uma sugestão de direção ok? Não necessariamente estou certo. Talvez valha pensar a respeito.
Grande abraço, e sigamos em frente.
ando sensível além da conta, porque ando questionando um tanto de coisas aqui, mas essas lágrimas estão entre querer abraçar e desejar ser abraçada. que texto, mari! obrigada, de novo <3