Gostar de gostar
#66 - sobre ocupar espaço com nossos quereres (+ coisas vistas & lidas)
Não sou a pessoa mais low profile do mundo (tampouco a mais aparecida), mas nunca me sinto cem por cento à vontade em me expor - seja na internet ou fora dela. Não me entenda mal - apesar da grande propensão ao desconforto e à introversão que reina aqui dentro, eu me viro muito que bem com a brand persona que construí ao longo dos anos para o mundo lá fora: sou desenrolada, faço amizades com facilidade, forneço entretenimento quando estou bêbada, tenho minhas doses regulares de biscoitagem no Instagram. Mas tudo é muito… cheio de dedos. Tateio no escuro, sempre, incerta, e fecho os olhos ao arriscar, como se esperando uma grande explosão. Ela nunca vem. No lugar dela, entretanto, uma ressaca esquisita, sempre um desejo sorrateiro à espreita: o de poder voltar atrás, retirar o que disse, o que mostrei, diminuir o volume da minha voz, a quantidade de risadas, o quanto de minha silhueta está à mostra. Nas redes sociais, muitas vezes volto atrás. Excluo ou arquivo posts, reescrevo mensagens, diminuo meus textos (e esse não vai ser mais um texto sobre as problemáticas da exposição e da performance na internet, até porque quem ainda aguenta esse assunto). Na vida, só me resta tentar diluir-me melhor nas próximas vezes. Recentemente, decidi criar um pouquinho de coragem para abrir a câmera e gravar alguns vídeos sobre minhas leituras, mas o tanto que me diverti gravando - ou trocando, depois, com quem assistiu - fica maculado por essa ânsia. Digo à minha analista que sempre tive um pouco dessa obsessão por querer me parecer o máximo possível com uma espécie de clean girl silenciosa e elevada, misteriosa, low profile, mínima, pequena em todos os aspectos possíveis; em volume, em corpo, em matizes, em voz - dona dos olhos julgadores e afiados que me observam por trás da cortina de ressaca. Ela me devolve: então sua vontade é ser uma mulher sem apetite, que não deseja nada? E a verdade, percebo, é que nada me causaria mais pavor do que isso. Tenho muitos pedacinhos que gosto de preservar guardados só para mim, mas também adoro oferecer outros ao mundo; gosto de tagarelar sobre minhas leituras, de opinar sobre a vida, de erguer a voz quando estou empolgada com algo na mesa do bar. Gosto de arranhar qualquer coisa no violão e, de vez em quando, arriscar a cantoria. De registrar minhas versões e as coisas que vejo no meu caminho. De indicar livros, filmes, discos - de compartilhar o que brilha meus olhos com as pessoas que fazem o mesmo. Gosto das minhas roupas largas, que misturam texturas e estampas e, acima de tudo, ocupam espaço. Gosto de fazer nascer textões. Do excesso de palavras. De ocupar espaço nelas também. Eu gosto de muita coisa. Desejo muita coisa. Tenho muita coisa a dizer. Nem tudo digo, mas gosto tanto de me sentir livre, autorizada, corajosa para poder dizê-las. No fim das contas, me pergunto se a persona que criei através dos anos seria realmente essa versão que chamo de desenrolada ou se seria, na verdade, a versão que se contém em cada movimento - porque acho que gosto mesmo é de gostar das coisas, e de me ver transbordando para fora de mim quando gosto.
Um beijo,
Mari
coisas vistas & lidas
fiquei um mês inteirinho na companhia de Crônica do Pássaro de Corda, de Haruki Murakami (Alfaguara, 2017, trad. Eunice Suenaga), uma das melhores leituras dos últimos tempos - virou primeiro um post e depois um vídeo que inaugurou meus tempos de tagarela na internet.
dois livros de contos que amei: Estamos a salvo, da Camila Fabbri (ed. Nós, 2024, trad. Silvia Massimini Félix), uma argentina que evoca nossa animalidade interior para deixar seus personagens - quase sempre, mulheres e crianças - em um constante estado de alerta; e Cinco terças de inverno, da Lily King (Tordesilhas, 2023, trad. Laura Fogueira), que é mestra em narrar os momentos mais fugazes e humanos de descoberta, desejo, perda e mágoa.
o Morra, amor, da Ariana Harwicz (ed. Instante, 2019, trad. Francesca Angiolillo), foi um exemplar que amei muito da categoria mulheres animalescas/traumatizadas/sufocadas/degeneradas - ansiosa DEMAIS pelo filme da Lynne Ramsay, com Jennifer Lawrence e Robert Pattinson (!!!).
não tenho estado em um período particularmente cinematográfico (rs) mas assisti ao Quarto ao Lado (2024), do Almodóvar, na Netflix - seu primeiro longa em inglês. ele abraça seus temas-chave, como morte, finitude e maternidade de uma forma meditativa e ao mesmo tempo vibrante e teatral, mas confesso que senti falta do seu charme en español - por vezes, inclusive, os diálogos me pareceram um pouco deslocados e artificiais fora da língua que sempre foi recurso primordial para traduzir o calor do seu cinema.
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Infrutífera
Não tenho nada brilhante a dizer. Ultimamente, quando abro o Substack - e tantos outros espaços na internet -, é assim que me sinto: esvaziada de contribuições. Infrutífera. Nenhuma grande opinião sobre O Assunto Do Momento (seja qual for), nenhum insight original, nenhuma crítica disruptiva ou ideia fora da caixa, nenhum ensaio afiado e mordaz sobre qu…
Água-viva
Na sessão dessa semana, digo à minha analista em um certo momento: me sinto jovem. E, beirando os trinta anos, tenho plena consciência de que sou. Racionalmente, é isso. Mas o verbo é outro aqui. Não sei: me sinto. Vem à minha boca um impulso de complementar minha própria fala, e acrescento, reformulo: me sinto muito mais jovem do que me sentia aos 18 a…








podia ser eu escrevendo ✨️
Me identifiquei muito com seu texto, por acaso vc tem lua em gêmeos?