Oi, como você tá?
Eu tô esquisita. Sinto que falo variações dessa frase toda semana, mas vocês já tiveram muitas chances de não estar aqui e, ainda assim, cá estamos. (Por favor, fiquem.) Tô esquisita talvez porque eu seja assim mesmo, mas de qualquer forma tô esquisita, às vezes operando na bateria total e cinco minutos depois tomada por um cansaço e por uma melancolia sem explicação. Entre estes dois estados de espírito, sempre um evento: a ansiedade velha de guerra, que pode-ou-não-pode dar as caras, a depender de fatores aparentemente insignificantes que acabam por cutucá-la bem fundo - mas, a julgar pelo teor destas palavrinhas que vos chegam hoje, você pode imaginar que ela tem dado as caras com frequência.
E sabe o que me faz sentir mais esquisita (ainda)? Não é nem a sua existência tão frequente entre a bateria total e a melancolia pós-descarga-de-adrenalina. Não é, tampouco, o fato de que é ela mesma, a ansiedade, que me obriga a transitar, exaurida, por essas duas Marianas em intervalos tão curtos de tempo. O mais esquisito é que, apesar de tudo isso, tenho começado a criar laços com ela.
Passei uns bons anos tentando evitar um quadro de ansiedade generalizada a todo custo (ou, ainda, fingir que sua existência poderia ser algo evitável), mas hoje entendo com um pouco mais de clareza o quanto essa fuga interminável sempre foi um enorme tiro no pé. Quanto mais a evito, mais ela segue me pegando de surpresa, nos momentos mais inoportunos; quanto mais construo muros para nos separar, mais ela se fortalece ao transpassá-los. Quanto mais tento eliminá-la, mais ela se faz presente.
Mas acho que não acredito nesse discurso brilhoso sobre malabarismos e pirotecnias para dominá-la. Não mais. Acho que a ansiedade é uma parte indissociável de mim, e tenho pensado muito sobre simplesmente não querer mais tentar domá-la ou sufocá-la - quero aprender a conviver com ela, o quão pacificamente me for possível; deixá-la existir quando precisar dos holofotes (quem nunca?), observar seus ciclos, seus tempos e movimentos, entender o que a tira do prumo. Entender o que me tira do prumo.
Quero cuidar dela, assim como cuido de tantas partes de mim, assim como ainda existem muitas outras que ainda precisam ser cuidadas. Quero aprender mais sobre mim - com ela.
Por aqui, tenho colocado muita dedicação em entender o que funciona em termos de cuidado nessa relação entre eu e ela. Às vezes, tudo que preciso é levantar cedinho e dar uns socos no saco de pancadas da aula de luta, mas também existem os dias em que preciso pular a aula e dormir uma horinha a mais, deixar o corpo e a cabeça inertes. Às vezes, preciso das pessoas, de risadas, de música alta, bons drinks e mesas compartilhadas, mas às vezes (com muita frequência, na verdade), preciso ficar sozinha, no meu silêncio e na minha própria companhia.
Não é linear, como nada é, mas tenho aprendido a escutar os diferentes sinais que a ansiedade me conta. Tenho aprendido a deixá-la vir à superfície e fazer morada para as partes de mim que não são tão leves, tão nobres, tão felizes. Ela tá aí. Acho que nunca me senti tão grata pelo tempo, pela energia e pela paciência que tô entregando a mim mesma.
Acho que hoje temos um texto com início, meio e sem fim, tal qual esse processo contínuo de estar cara a cara com a gente. Essa parte ansiosa de mim, nos momentos mais conturbados, ainda me faz sentir como um alien, ou um eletrodoméstico sem conserto (ou qualquer coisa entre essas duas opções sem nexo) - mas já muito menos do que era capaz de fazer antes. Acho que a gente sempre sai um pouco mais forte quando abre as portinhas das vulnerabilidades para o mundo. Acho que, no fim das contas, talvez hoje o ponto seja sobre ter coragem para compartilhar mais e reconhecer, nas nossas individualidades, a ansiedade coletiva que nos habita.
Reconhecê-la para cuidá-la.
Um beijo,
Mari
Dicas Que Ninguém Pediu (Mas Que Eu Dou Mesmo Assim)
Livro da semana:
Meu nome era Eileen, da Ottessa Moshfegh - sim, a mesma autora do famoso Meu ano de descanso e relaxamento! Quem me conhece sabe que poucas coisas me conquistam tanto num livro quanto uma protagonista detestável e de índole duvidosa - e isso Eileen tem de sobra. Ela é odiosa e maravilhosa ao mesmo tempo, um furacão confuso e desencaixado no meio de uma cidadezinha fria e sem-graça da Nova Inglaterra, uma jovem asquerosa e complexada, sempre oscilando entre extremos - o recato e a depravação, o desejo e a restrição, a paranoia e o marasmo. Sigo curiosa para saber aonde suas neuroses vão levá-la. Recomendadíssimo! ♡
Filme da semana:
Tantos e tantos dias abrindo a página inicial do MUBI e dando de cara com os filmes do Wong Kar-Wai sem clicar em ‘assistir’ - por quê, me pergunto agora??? Tudo que posso dizer é que sábado assisti ao icônico In the mood for love e acho que não me lembro da última vez que tive um orgasmo cinematográfico tão grande. Uma obra de arte melancólica sobre como o amor pode ser brusco, solitário, dolorido, belíssimo e totalmente inexplicável, todos ao mesmo tempo.
(Menção honrosa para todos os lookinhos impecáveis da Hong Kong dos anos 60 e para o fato de que absolutamente tudo fica melhor em vermelho. Tudo mesmo.)
Som da semana:
Tenho ouvido muito a trilha sonora do filme Call Me By Your Name! O álbum é cheio de peças maravilhosas no piano, algumas clássicas e outras nem tanto, somadas a algumas das melhores músicas da minha alma gêmea musical Sufjan Stevens. Trilha perfeita para relaxar, para concentrar ou então para comer uma cesta de pêssegos e figos e imaginar que você está numa villa chiquérrima curtindo o verão da Itália. (Eu faço isso mais do que deveria - só não mais do que o número de vezes que já assisti a esse filme.)
Outros conteúdos que valem a pena na internet:
Será que é Gen-Z demais precisar de receita de pão na chapa com requeijão na entrada? Não sei, mas eu precisei da Isabella Scherer fazendo esta iguaria que tá entre as minhas comidas favoritas do mundo. Já testei e fica tu-do :)
A bebê Alice, vulgo bebê mais linda da internet, sendo linda. Apenas isso.
O que significa ser pobre?, artigo excelente do Marcelo Medeiros que saiu na quatro cinco um.
E por hoje é só! :)
Amiga, me identifiquei horrores com seu texto! Arrasou demaaais (como sempre) <3
Só pra variar, curtindo mil vezes o texto e me identificando loucamente: semanas atrás também me lembrei de como no passado foi justamente a ACEITAÇÃO do desconforto da ansiedade que me ajudou a regulá-la!