Escrever como quem diz: "eu estou viva"
#11 - escrever, escrever mais um pouco e reconhecer o que faz nosso sangue pulsar
Oi, como você tá?
Nessa semana, eu escrevi quantidades absurdas de coisas. Sobre tudo. Inclusive isso aqui. E tenho pensado demais nisso: no ato de escrever (tô toda metalinguística hoje), e como ele sempre foi algo quase que inevitável nas linhas da minha vida.
Eu sempre sonhei em ser escritora. Às vezes, com mais intensidade; em outras, esqueço dele por um tempo, coloco numa gaveta imaginária. Me formei em Jornalismo e embarquei em ramos diferentes da comunicação, que envolvem, cada vez menos, o ato de escrever - mas que gosto muito mesmo assim. Apesar da tendência às palavras, também tenho um lado lógico e estratégico que me trouxe até aqui, onde estou hoje. De qualquer forma, mesmo depois de todo esse tempo, o sonho continua guardado, existindo, ardendo suavemente como uma brasa que, quase apagada, ainda teima em queimar. De uns tempos para cá, ela tem queimado com mais insistência. Mais incisiva. Na verdade, acho que posso dizer que isso aconteceu quando decidi começar essa newsletter que vos chega toda segunda.
Escrever tem sido uma constante na minha vida há muitos anos. Um dos meus primeiros registros na escola, uma foto tirada pelos meus pais, contém uma versão minha aos três anos de idade, de marias-chiquinhas ao lado de um cartaz rabiscado onde supostamente escrevi a história da Chapeuzinho Vermelho. (Na medida do possível.) Quando passei pela minha esquisitíssima transição para a adolescência, eu usava munhequeiras xadrez e uma franja alisada com chapinha e era fã de Crepúsculo e Harry Potter. Entraram as fanfictions. Aos montes. Alguns anos depois, no Ensino Médio, que possivelmente foi a minha pior vivência até agora, exercitar o que para mim já começava a se parecer com um chamado foi o que me manteve sã (não o suficiente, mas tanto quanto possível) dentro das paredes da escola. Eu escrevia diários, poemas e rascunhos de contos em cadernos, levava alguns adiante para mostrar à professora de redação, me oferecia para escrever os roteiros das peças de final de ano com a professora de teatro. Eu me dedicava devotamente à escrita em todos os momentos que me sobravam, até mesmo às redações para o vestibular, que treinei incansavelmente, muito mais do que era necessário.
Quando me tornei oficialmente uma Jovem Adulta™, com carteira assinada e matrícula na faculdade, me sobrou pouco tempo para escrever, mas são os cadernos preenchidos com regularidade ao longo dos anos - inclusive destes últimos - que marcam a passagem do tempo para mim. Eles sempre estiveram lá. Na pasta com folhas e folhas de xerox para trabalhos e provas. Na bolsa enorme e entuchada de coisas que carregava no metrô para ir ao trabalho. Na gaveta dos escritórios por onde passei, sempre um bloquinho de notas, um caderno em tamanho de bolso, qualquer coisa. Eu peguei o costume de tirar alguns dias para almoçar sozinha, apenas para que me sobrasse tempo de escrever alguma coisa. Agora, no home office, eles estão por todos os lugares: um de espiral sobre a bancada, um de brochura na cabeceira da cama, uma agenda sempre rabiscada com muito mais do que compromissos, mil pastas com arquivos de texto no computador.
Desde que decidi abrir esse espacinho aqui na internet para jogar um pouco dos meus textos, tenho escrito muito mais. Páginas e páginas no word. Páginas e páginas no caderno. Coisas que não se conectam muito bem. Ideias para contos, reflexões pessoais sobre o meu dia, sobre a terapia, livros e filmes que me fizeram pensar, às vezes só rabiscos sem sentido. Mas, do meio de tudo isso, começa a nascer algo um pouco mais promissor. Personagens tomando uma forma que gosto. Às vezes acordo de madrugada com a cabeça cheia, como se não estivesse dormindo há cinco segundos antes, num ímpeto de anotar alguma coisa. Dia desses minha avó leu uma das edições da newsletter, que minha mãe mostrou a ela, e disse: “Parece que existem três pessoas diferentes dentro da Mariana.” Talvez isso seja preocupante. Mas não somos todos preocupantes em alguma medida? O ponto é que me sinto exatamente assim. Às vezes me assusto com isso, mas às vezes isso também me inunda de uma emoção urgente que ainda não sei definir. É essa mesma emoção que me acomete quando estou colocando essas pessoas em palavras. São versões de mim que gritam para ir ao papel.
Tô lendo um livro chamado “Writers & Lovers”, da americana Lily King, e a protagonista, Casey, é uma escritora. (Meu gosto é previsível.) Ela diz: “Eu não escrevo porque acho que tenho algo a dizer. Escrevo porque, se não o fizer, tudo fica muito pior.” Acho que o ponto é esse. Não penso muito sobre a validade do que tenho a dizer, se é que tenho realmente alguma coisa. Mas não dá pra fugir do que provoca essa emoção inominável. Ela precisa existir.
Acho que hoje só desejo que a gente possa sempre reconhecer e dar vazão ao que nos chama e nos emociona desse jeito - independentemente do que seja.
É o que dá sentido a todo o resto. É o que faz o sangue pulsar.
Um beijo ♡
Mari
Dicas Que Ninguém Pediu (Mas Que Eu Dou Mesmo Assim)
Livro da semana:
Enquanto leio Writers & Lovers, que ainda não conta com uma tradução no Brasil, queria aproveitar pra indicar Os Diários de Sylvia Plath! Li essa preciosidade durante toda a quarentena, aos pouquinhos, saboreando toda a genialidade e a loucura que habitava a cabeça desta mulher tão à frente do seu próprio tempo. Sou apaixonada pelos livros de Sylvia e seus escritos pessoais são tão hipnóticos quanto. Indico para quem já a conhece e pra quem não conhece também - um ótimo jeito de começar o conjunto da obra ❤
Filme da semana:
Swimming Pool, do francês François Ozon! Tem todos os ingredientes por que prezo em um filme: suspense psicológico, pessoas falando francês, paisagens mediterrâneas… e mulheres doidas & perigosas encontrando o seu fogo interior, claro. Esse ótimo thriller acompanha uma escritora inglesa que, precisando de inspiração e silêncio para o seu novo livro, decide passar uma temporada na casa de veraneio de seu editor, mas é surpreendida pela chegada de Julie, a filha dele, que coloca todos os seus planos de cabeça para baixo. Assisti no MUBI, como boa embaixadora desta plataforma que sou. Recomendo!
Som da semana:
Já faz uns dias que, sem motivo aparente, estou presa num looping infinito do The Velvet Underground & Nico. (E acho que não é necessário um motivo além do fato de ser um dos melhores álbuns já produzidos em todos os tempos. Por favor, inclua um momento para ouvir este ícone na sua segunda-feira!)
Rolê da semana:
Nesse final de semana, tive o prazer de conhecer o Torneira, bar na Vila Madalena com som ao vivo, muitas cervejas artesanais no balcão e uma equipe todinha formada apenas por pessoas trans e não-binárias. É uma proposta incrível e inspiradora, que promove inclusão e empregabilidade de minorias geralmente completamente excluídas do espaço cervejeiro. Daquelas iniciativas que valem todo o apoio!
(E para quem gosta de cervejas sour, como eu, fica aqui a minha indicação da I’m Sour com pitaya, da Three Monkeys:)
Outros conteúdos que valem a pena na internet:
Indiquei lá no Instagram da Revista TPM cinco autoras brasileiras contemporâneas que precisam entrar na sua lista.
Você já matou tempo no famigerado The Useless Web? Recomendo fortemente, ok?
O site Ten Years Ago, que resgata tudo que estava em alta na internet, diariamente, há dez anos atrás.
E por hoje é só! :)
Aiii me vi tanto nessa edição! Minha relação com a escrita também é essa. Se não escrevo, sinto que uma parte minha se atrofia.
Uma pergunta: você leu “A louca da casa”, da Rosa Montero? Fala muito da relação dela com escrita, eu estou AMANDO