Limites, forninhos e catuaba quente
#15 - apenas mais um dia querendo insistir na velha história de ser super-heroína. um dia eu aprendo (ou não).
Oi, como você tá?
Sumi na última semana e estou sim retornando como se nada tivesse acontecido, pois me fazer de sonsa é uma especialidade que desenvolvi com orgulho e anos de afinco. (Não sei por que vocês ainda me leem.)
Eu mencionei na última news, que já foi meio capenga, que do lado de cá tem rolado muita coisa - um grande emaranhado de crises existenciais, jobs bacanas, conquistas e alguns tombos também, como é de praxe na vida. E, diante de tudo isso, por mais que eu tenha me comprometido em trazer um texto semanal, acho que meu primeiro compromisso deve sempre ser comigo mesma (fato: nem sempre coloco isso em prática), e com o respeito pelos limites do que consigo abraçar de uma vez só (outro fato: não é o mundo todo - por mais que eu teime em achar que é). Basicamente, esse é o tweet.
Não abraçar o mundo. Tenho imensa dificuldade em não fazer isso. Falho, logicamente, em todas as tentativas, mas sigo fazendo. É como se o tempo todo houvesse uma voz irritante e estrondosa aqui dentro, esbravejando comigo quando algum dos (muitos) forninhos dá indícios de que vai cair. Esse assunto nem é novo aqui, mas paciência. De qualquer forma, ela diz: você deveria estar dando conta de tudo. Ou, ainda, em dias mais exigentes: você tá progredindo muito pouco. Progredindo para onde? Eu nem sei onde fica a linha de chegada dessa corrida, nem por que estou correndo (zero lobos me acompanhando, inclusive), muito menos contra quem estou competindo.
O.k., isso é mentira. Posso não saber o destino ou o motivo do trajeto, mas sei bem quem é minha competidora: eu mesma. Minha maior inimiga.
Já houve um tempo em que eu emendava o estágio e a faculdade e a iniciação científica e a madrugada tomando catuaba quente em alguma calçada perdida desta cidade. (Ah, a Mariana verdadeiramente jovem. Ela existiu, mas foi por pouco. Quem viu, viu - quem não viu, fica para uma outra vida.) Eu chegava em casa exausta e mesmo naquela época já não me dava o direito da exaustão. Ainda: me sentia culpada por me gastar na calçada, nos sambas, na catuaba (acho que essa eu poderia ter vivido sem), culpada por me gastar em algo puramente instintivo, humano, prazeroso, nas coisas que ameaçam estourar essa bolha ilusória de forninhos segurados e produtividade infinita.
Hoje a catuaba, quente ou gelada, já está fora de questão. (Agora sou fresca.) Mas ainda me pego nesse sentimento de culpa que me rodeia em momentos de ócio ou de lazer, me pego assumindo responsabilidades que não precisavam ser minhas, me pego ainda ouvindo essa voz que esbraveja comigo, e penso no quanto essa voz já ecoaria nos meus ouvidos pelo simples fato de ser mulher, por sentir o peso das obrigações sociais e das expectativas de que exerçamos o papel de cuidadora, de conciliadora, de solucionadora de problemas, de super-heroína, o-tempo-todo.
Ainda assim, é humanamente impossível assumir o controle sobre a expectativa que o outro (ou o patriarcado) nos direciona. É a fonte de tantos e tantos mal-estares individuais e coletivos. Mas se tem algo que dá pra controlar é a expectativa que parte de nós para nós mesmos. Então por que raios continuamos não nos dando uma mísera trégua?
(Falando na primeira do plural pra não me sentir sozinha nisso, realmente, mas vocês entenderam.)
Acho que a conclusão é: talvez esses textos continuem saindo semanalmente às segundas, talvez não. Eles vão chegar quando der pra chegar. Já tinha dito por aqui antes e reitero: às vezes, os forninhos talvez se espatifem no chão mesmo. Ou melhor: eles irão se espatifar, no futuro, sem dúvidas ou condicionais. É uma certeza. Ninguém segura todos o tempo todo. (É sobre isso e tá tudo bem. Não? Fui longe demais?)
Um beijo,
Mari
Dicas Que Ninguém Pediu (Mas Que Eu Dou Mesmo Assim):
O blockbuster do momento é Top Gun: Maverick e, devo confessar, valeu cada centavo do ingresso! 🙈 Além dos motivos óbvios (vulgo: Tom Cruise e Miles Teller correndo ao pôr-do-sol em trajes de banho), o filme é uma carta de amor à aviação, com sequências de ação no ar realmente incríveis. Vale muito também por todas as referências e personagens que retornaram do primeiro filme, além da trilha sonora impecável (tal qual a de seu predecessor).
Recentemente também chegou aos reles mortais a série Conversas Entre Amigos, adaptação da obra homônima da musa millennial Sally Rooney, que vocês já sabem que simplesmente amo. Ainda estou assistindo e já tenho algumas ressalvas, que deixo para comentar quando terminar. De qualquer forma, se estiver procurando um livro pra começar, recomendo de olhos fechados - é o meu favorito da Sally, e, agora, dá pra emendar com os episódios quando o livro acabar e você sentir aquela ressaquinha literária. (Acredite, você vai sentir.)
Vale também mencionar, embora acho que todo mundo esteja fazendo o mesmo, que estou maratonando os episódios da nova temporada de Stranger Things, que está mais sombria, mais complexa e mais tensa do que nunca. Amo de paixão as referências cinematográficas que os irmãos Duffer trazem para a série desde a primeira temporada, mas nada supera a trilha sonora sempre absurdamente impecável. Spoiler do bem: se prepare para altas doses de Kate Bush e Running Up That Hill (ouve aí, pelo amor) ❤️
No quesito ouvidos, tenho colocado os podcasts em dia - e amei especialmente esse episódio aqui do Quarta Capa Todavia, com participação do autor Francisco Bosco para falar de debate público e caminhos para o diálogo nas plataformas digitais. Tema de importância máxima!
E por hoje é só! :)
Amei. Vivo me policiando para abraçar menos o mundo todo. Não abraçá-lo já desisti. Em algum momento vou me sentir nessa obrigação.
Achei curiosa a referência a forninhos caindo. Nunca tinha ouvido. Por aqui é comum ouvir pratinhos caindo
Mariana, parece que estamos juntas nessa. Também tenho esse impulso incontrolável de abraçar o mundo. Quando me dou conta estou fazendo coisas que eu não quero, que não fazem o mínimo sentido para mim, junto com pessoas que eu nem gosto. E me deixando de lado, claro.
No meu caso, essa paranóia tem diagnóstico: a vontade de ser amada e o medo de ser rejeitada.
É cansativo. Mas com a consciência do fato a gente pode, pouco a pouco, trabalhar para deixar os forninhos e pratos se espatifarem no chão. E, quem sabe, sair de fininho sem nem sequer juntar os caquinhos ou entulhos. Dane-se. hahahaha
:)