Um pouco de vida, afetos e dores
#16 - terminei "uma vida pequena" e já estou vivenciando todos os estágios do luto ao mesmo tempo. (recomendo)
Oi, como você tá?
Eu tinha pensado em um monte de coisas pra falar hoje, mas tudo caiu por terra quando terminei Uma vida pequena. Por isso, devido à ressaca literária que se recusa a passar, a newsletter de hoje não terá o formato de sempre, com as dicas que ninguém pediu, e será apenas um grande textão. (Sinto muito.)
Eu já estava presa nesse livro há mais de um mês, amando e odiando ao mesmo tempo, precisando de longas pausas para respirar entre os capítulos mais pesados (uh, todos?), mas incapaz de começar qualquer outra leitura. Vocês lembram? Eu contei por aqui quando comecei, ainda (uma pobre coitada ingênua) imaginando se realmente seria tão destruidor quanto me alertaram que seria. Spoiler: foi.
Uma vida pequena acompanha quatro amigos que se conheceram na faculdade - o advogado Jude, o ator Willem, o arquiteto Malcolm e o artista plástico JB - à medida que envelhecem e constroem suas vidas em Nova York, bem como suas relações complexas e multidimensionais, provações, caminhos e concepções de mundo. A obra, que vai se centrando cada vez mais no protagonista Jude, explora com profundidade os seus traumas pessoais (que são muitos. Muitos mesmo. Chuva de gatilhos.) e como ele, embora contido por todos os muros de desconfiança que ergueu ao longo dos anos, continua se agarrando à vida com as forças que lhe restam, amparado pelos laços de amor e de amizade que construiu.
É impossível ler Uma vida pequena e sair ileso. Jude e seus amigos (especialmente Willem) são cativantes a ponto de doer na gente o que dói neles. Cheguei a desistir da leitura mais de uma vez, inconformada com a sequência interminável de sofrimentos, e me peguei muito mexida em incontáveis trechos. Como é possível que as coisas mais sublimes e mais cruéis da humanidade coexistam eternamente? Como é possível que elas coexistam dentro da gente?
“Havia momentos em que a pressão para alcançar a felicidade era quase opressiva, como se a felicidade fosse algo que todos deviam e podiam conquistar, e que qualquer tipo de concessão na busca por ela fosse, de algum modo, culpa sua.”
O livro me fez pensar muito em como somos frágeis e falhos, e em como acasos podem nos afetar, às vezes, de forma permanente. Em como a vida realmente é um misto de coisas inevitáveis, perdas, traumas, solidão, rupturas; em como todas essas coisas vão se embolando dentro da gente e moldando a forma como amamos, como confiamos, como nos enxergamos. Mas tenho pensado principalmente em como, ainda assim, seguimos na busca pelas felicidades que se interpõem entre todas essas coisas, que sempre nos dão, em resposta às pulsões de morte que nos habitam, uma pulsão de vida. (Odeio quando Freud está certo.)
O que essa autora perturbadíssima mas maravilhosa deixou para mim (além de lágrimas) é isso: que nossas vidas curtas são cheias de momentos que a dimensionam em algo infinito. No fim das contas, a vida existe mesmo é nos intervalos, nos entremeios, nas frestas, é neles que ela se torna gigantesca. São eles que importam - os que nos lembram que estamos vivos, que há um pouco de vida que ainda não vivemos. (Quem traduziu o título original, “A little life”, como Uma vida pequena não entendeu nada.)
“Se eu fosse outro tipo de pessoa, poderia dizer que todo esse incidente é uma metáfora da vida em geral: as coisas se quebram, às vezes podem ser consertadas, e, na maioria dos casos, você percebe que independentemente do que é danificado, a vida se rearranja para compensar sua perda, às vezes de forma maravilhosa.”
E o quanto a gente aproveita esses momentos? É tão fácil deixá-los escapar. Tão fácil cair no modo automático. Tão fácil cometer o erro de aceitar que a vida seja realmente pequena - e vivê-la de acordo com isso. Tão fácil dar tamanho e importância às coisas que realmente apequenam a vida, enquanto os intervalos, as frestas, eles passam despercebidos.
É nisso que eu tô pensando hoje: em gente, gente que eu gosto, gente que eu deixei de gostar há muito tempo, coisas abstratas, sensações específicas, sonhos longínquos, tudo que faz ou fez parte dos momentos que redimensionam a minha vida. Tô pensando em afeto, em confiança, nas minhas vulnerabilidades, nas minhas portas e janelas, em tudo que tenho - que temos - e que precisamos acessar para seguir nessa grande doideira que não é apenas viver, e sim se sentir vivo de fato, em tudo que precisamos acessar e que às vezes optamos por deixar adormecido - ou, ainda, que gostaríamos de acessar, mas por infinitas razões, não conseguimos.
Espero que depois de tudo isso você considere a leitura, ou então fuja para a direção oposta (o que é uma decisão que eu também entenderia pois: sofrido demais, hein?), mas que acima de tudo comece a sua semana com coragem e energia para buscar o que faz os seus momentos gigantes durarem nessa vida pequena que temos no mundo.
♡
Um beijo,
Mari
Lindo demais, adorei suas reflexões. O livro nos traz o que há de mais sublime e mais horroroso na natureza humana. Mas sigo apegada a Jude e Willem meses depois de eles terem passado pela minha vida!