Esforços, pódios imaginários e remédios de nariz
#17 - até quando vamos continuar competindo contra nós mesmos em coisas que, inclusive, nem são competições?
Oi, como você tá?
Nessa semana, descobri, finalmente, as glórias do spray nasal. Sinto que cheguei muito atrasada no hype (quem tem um nariz saudável no outono de São Paulo, afinal?), mas não importa. Fui evangelizada com sucesso e nunca mais vou deixar faltar esse remédio nesta casa. Dizem as lendas urbanas que ele causa dependência. Mais um para entrar no bonde do açúcar, do café e do vinho.
Precisei encarecidamente do spray nasal, e também de antialérgicos e anti-inflamatórios. Achei que era Covid - não era. Achei que era um resfriado - não era. Comecei a ficar rouca e tossir na segunda-feira; entre quarta e quinta, já estava quase completamente sem voz, com um nariz entupido e uma dor insuportável para engolir qualquer coisa. O otorrino disse alguns termos técnicos que não vêm ao caso e entrou em cena o spray e todos os outros comprimidos. Fui embora esperançosa, pensando no sono induzido por medicamentos alopáticos que me esperaria em casa.
De todo modo, sei bem que a minha imunidade também baixou por motivos de cansaço. Você já deve ter lido sobre isso aqui uma ou duas vezes (ou muitas), mas tenho sentido necessidade de retomar o tema, à medida que minha percepção sobre a sobrecarga da Mulher Cansada™️ vai tomando mais forma. Venho testando meus limites de multitarefar há algumas semanas, o corpo pediu por uma pausa. Eu não atendi. Aí ele mudou de estratégia e exigiu sob ameaça, e cá estamos.
Testar limites. Por que a gente faz isso? Por que tanto esforço? Um dos melhores livros que eu li ano passado foi Esforços olímpicos, romance de estreia da Anelise Chen. Nele, a narradora, Athena, uma ex-nadadora que tenta a todo custo terminar sua pesquisa acadêmica com foco em esportes, recebe a notícia do suicídio de um amigo (e também ex-atleta), o que a leva a uma espiral de inquietações sobre as inevitáveis derrotas ao seu redor - e como, acima de tudo, parecemos estar todos presos em narrativas de vitória. Na época, assisti também ao documentário da Naomi Osaka na Netflix. A tenista, uma das maiores da atualidade, desistiu do torneio Roland Garros de 2021 para cuidar de sua saúde mental. Em diferentes ocasiões, Osaka já mencionou sua ansiedade diante do escrutínio da mídia e da pressão pelo sucesso, bem como sua jornada com a depressão.
Coincidentemente (ou não), li e vi tudo isso na época das Olimpíadas, que me tornou monotemática por um mês inteirinho. Nunca tive grandes habilidades atléticas, mas tenho um certo fascínio pelas competições esportivas, por acompanhar de perto os sacrifícios e renúncias exigidos pela alta performance - os mesmos sacrifícios e renúncias que colocam à prova o corpo e a mente. Que quebram recordes. Que provam que os limites são dobráveis, afinal.
Superá-los é um dos grandes objetivos do esporte de alta performance, mas, fora dele, não é sempre o caso. Nessa boa e já meio velha sociedade do cansaço e do espetáculo, que demanda por produtividade e sucesso constante, testar nossos limites ganha um outro significado - que nada tem a ver com os pódios do esporte (embora eu ache que tenham a mesma raiz, mas isso é papo para outro dia).
Vencer, nesse contexto, é um desafio ininterrupto, sem linha de partida ou de chegada: estamos constantemente em uma corrida contra o tempo, acumulando tarefas e tentando otimizar todos os intervalos; uma corrida contra o outro, ou melhor, contra suas versões filtradas e recortadas da vida no Instagram; e, acima de tudo, uma corrida contra a gente, em busca de uma versão mais bem-sucedida, de um ‘suficiente’ que nunca chega.
Ainda no tema esporte, um adendo: quando adolescente, cheguei a fazer parte da equipe de natação da minha cidade. Eram treinos diários e exaustivos, dieta regrada e competições aos finais de semana, e eu amava. Mas, embora nunca tenha sido a última da turma, também nunca fui a primeira, e isso foi o suficiente para me fazer desistir. E tá tudo bem - não pretendia seguir carreira como nadadora. O meu ponto é: não precisava ter sido ali. Eu não precisava abrir mão de algo que gostava por não ser tão boa naquilo. Tenho outros colegas de equipe que desistiram pelo mesmo motivo e, da mesma forma, incontáveis conhecidos (inclusive eu mesma) que desistiram de outras coisas na vida, não necessariamente esportivas, por isso também. Me parece, às vezes, que, se não vai levar a esse padrão social já estabelecido de “vitória”, já nos deixa de valer a pena.
Vencer é mesmo tão importante? Quem determina o que é uma vitória e um fracasso, afinal? E - já fiz essa pergunta antes por aqui - contra quem estamos competindo? Quem sobe conosco nesse pódio imaginário além de nós mesmos - e dessas versões irreais do outro que criamos?
Hoje eu podia só ter tomado meus remédios, espirrado o spray de nariz e ficado quieta, mas por aqui tudo vira caldo pra tagarelar e entrar em crise existencial. E por algum motivo vocês continuam aqui. Gosto de pensar que estou fazendo algo de certo (ou, então, que estamos todos em crise mesmo).
(Acho que a segunda alternativa é mais possível.)
Um beijo,
Mari
Dicas Que Ninguém Pediu (Mas Que Eu Dou Mesmo Assim)
✦ Nesta casa, veneramos séries e documentários de true crime - e tô assistindo uma série documental bem bacana do gênero, na Netflix: The Staircase (A Escada). O doc, produzido em 2004, acompanha o longo e intrigante julgamento do escritor Michael Peterson, acusado de assassinar sua esposa, Kathleen. Agora, já tem até série na HBO baseada no caso, também chamada The Staircase (criatividade mandou lembranças), com Colin Firth e Toni Collette no elenco - com certeza quero emendar na sequência!
✦ O novo single da Cat Power, um cover super intimista e melancólico da You Got The Silver (dos Rolling Stones), é o som perfeito para embalar o comecinho dessa semana friorenta com um café e uns cinco minutinhos de paz antes de embarcarmos na grande jornada do proletariado. Bora dar play? ♥
✦ Já (parcialmente) recuperada das dores pós ‘Uma vida pequena’, comecei a ler Meninas, primeira obra publicada no Brasil da russa Liudmila Ulitskaia. São seis contos que dialogam entre si, protagonizados por meninas que aparecem e reaparecem ao longo das páginas e constroem suas relações sociais no mundo pré-adolescente soviético. Tô amando, super recomendo! Espero ver mais coisas dessa autora genial traduzidas por aqui logo :)
✦ Ontem meu corpo botou um cropped e reagiu - a tempo para poder passear um pouco e comemorar o Dia dos Namorados, amém! Fábio e eu fomos almoçar no Kouzina, um dos restaurantes de cozinha grega comandados pela chef Mariana Fonseca em SP. O ambiente, com decoração toda inspirada no Mediterrâneo, é super aconchegante, e tudo que pedimos estava uma delícia!
De entrada, fomos de carpaccio de salmão com vinagrete e pão pita artesanal; em seguida, pedi a famosa moussaka, prato típico à base de berinjela, batata e carne de cordeiro moída, e Fábio preferiu o arroz pilaf com açafrão, limão siciliano, camarão e mariscos. Para beber, deixo a dica: peça o drink da casa, Kouzina, com vodka grega, melancia, limão e ouzo - um destilado grego a base de anis. Uma delícia!
E por hoje é só! :)
Bem, se há vitória ou derrota, então está falando de uma competição ou jogo. Nada contra, mas se há uma competição então o problema está em saber qual competição participar. Qual competição vale a pena ou vale o sacrifício? Acho que a pergunta inicial seria essa. E como sugestão de meditação, que tal pensar em uma competição ou jogo cujo último segundo de partida seja o último segundo de vida? Talvez assim nos ajude a entender uma competição que valha o sacrifício. Isso é só uma sugestão, um ponto de vista, e claro, supondo que a vida seja feita de competições. Agora supondo que uma competição não seja o caso, e que vitória ou derrota não sejam importantes, então talvez o caminho seja entender e buscar o que nos torna felizes e em paz conosco mesmos, se é que felicidade e paz não sejam a mesma coisa. Uma busca difícil e que, se dedicada com afinco, fará com que tenhamos pouco tempo para "competições" e quem sabe, dedicando energia ao que nos traz felicidade, tenhamos uma noção melhor de nossas limitações naturais e um respeito maior a elas. Enfim, só pensando em voz alta. Ótima semana a todos!!!!!