Gentilezas, equações e bonequinhas místicas
#19 - seguir do jeito que der - já não tá bom não, universo?
Oi, como você tá?
Comecei a escrever essa edição com caneta e papel mesmo; tenho recuperado o costume de anotar qualquer coisa da vida no caderno que fica eternamente repousado na cabeceira da minha cama, um dito cujo que, sim, comprei de uma marca superfaturada que faz cadernos iguais aos mais baratos mas ainda assim gente como eu (besta?) paga por eles. Provavelmente esse texto vai mudar bastante no processo que acontece neste exato momento tão metalinguístico, o da digitação - se eu já sou uma escritora chata, acredite, sou uma editora ainda pior.
De todo modo, não importa. Faz tempo que estou devendo um texto por aqui, e todas as vezes que me sentei diante do notebook para tentar começá-lo, nada saiu. Botar no papel (e, ironicamente, aproximá-lo mais de um verdadeiro telegrama) foi um último recurso para resgatar o espírito dessa newsletter e tirá-la do modo automático, dessa cara de tarefa-riscada-na-checklist-da-semana que vinha ganhando nos últimos tempos.
Comecei na ponta da caneta, deitada de bruços na cama, mas meus braços começaram a ficar dormentes e fui dormir, no dia seguinte levei o caderno bem cedo para a padaria e pedi um coado e um pão na chapa com requeijão na entrada. Acho que eles me ajudaram a pensar, porque afinal como este patrimônio nacional não ajudaria?, e peguei no tranco. Como a boa adepta de diários que sempre fui, comecei fazendo uma retrospectiva de tudo que rolou nas últimas semanas, o que incluiu: uma viagem fechada para as férias, uma perda muito difícil, um projeto freela bem grande para fazer no contraturno, médicos marcados, livros da estante lidos, aulas atrasadas da pós-graduação, aulas finalizadas de direção (agora posso dirigir mal por conta própria), entre outras coisas que não vêm ao caso agora, não que todas estas venham, na verdade.
Entre todos esses grandes acontecimentos e pequenos detalhes, também ganhei umas bonequinhas da Guatemala da minha mãe, mas ela não comprou na Guatemala, comprou em Santo Antônio do Pinhal, não sei o que elas faziam lá, umas bonequinhas pequenas que segundo a tradição você bota debaixo do travesseiro e mentaliza um problema que, ao longo da noite, será transformado em solução, no pacote vinham três bonequinhas e eu perguntei para a minha mãe o que eu deveria fazer se tivesse mais de três problemas pra mentalizar. Só três por vez, ela disse.
Achei curioso lembrar de botar isso no papel, dentre todas as coisas, mas acho que era onde eu queria - e precisava - chegar depois de algumas semanas de bloqueio mental, porque tá difícil mesmo, tá difícil individualmente, tá difícil de reunir ânimo pra terapia, difícil de desligar a cabeça, tá difícil coletivamente, tá difícil de abrir as redes sociais e o jornal e ter que engolir a violência mais recente de homens que são homens e ainda assim recebem a condescendência de serem chamados de monstros ou doentes, uma escala cada vez mais íngreme de absurdos que embrulha o estômago, tá difícil existir no século 21 de muitas maneiras e se a gente for pensar essas bonequinhas precisavam ser vendidas em caixas bem abarrotadas, e não em pacotinhos de três.
Não sei se elas de fato funcionam, gosto de acreditar que sim, o mundo seria chato demais se só existissem as coisas comprovadas cientificamente, mas tenho de fato colocado uma debaixo do travesseiro antes de deitar, apenas uma, sem mentalizar nenhum problema em específico, acho que parte de mim espera que a bonequinha tenha inclusive o poder divino de me dizer qual é o meu problema que precisa de solução; e enquanto isso não acontece, vou fazendo minhas próprias pequenas magias do cotidiano. Secretamente, te digo: acho que as coisas estão conectadas.
Tudo isso pra dizer em muitas palavras que às vezes a gente não sabe definir nem filtrar o que é problema e muito menos o que é solução, mas nem tudo é equação matemática e no meio das variáveis existe um grande emaranhado de dias em que só precisamos nos permitir o conforto, seja ele o que for.
Costumo ser muito rígida comigo mesma, disciplinada feita a cria capricorniana que sou, mas tenho me empenhado muito em me conceder as tréguas, as gentilezas, as indulgências; das coisas pequenas, o pé descalço no piso frio, o incenso de sândalo pela casa, o cheiro do café preto recém-passado, as fotos da máquina que talvez-deem-certo na hora de revelar, os rabiscos sem dó nem piedade pelos livros pra não esquecer das palavras que ficam, o cravo e a canela fervendo na panela pra virar doce, quentão ou chá, de todas as coisas pequenas até as tremendas, a coragem de falar um não bem falado, de afastar quem não tá mais fazendo bem, de chorar um impulso de choro que não tem explicação - e de não procurar por ela.
Não procurar pelas explicações. Pelos enunciados, pelas equações. Praticamente um mantra. Não procurar; às vezes, seguir do jeito que der é o que temos (sempre, arrisco dizer), tropeçando na dieta, ativando oito sonecas depois do despertador, cancelando rolês para preservar o próprio silêncio, reassistindo pela milésima vez aquela série que não faz pensar em nada ao invés de ver algo novo, indo do jeito que dá mas ainda assim na gentileza com nós mesmos, gentis e atentos, atentos e ouvindo apenas as respostas que o corpo e a cabeça dão - mesmo que não saibamos nem mesmo as perguntas.
Hoje não temos dicas, porque quem aguenta ler mais alguma coisa depois desse texto enorme, mas para compensar a próxima edição será apenas dedicada a elas. Por ora, ficam por conta de vocês. Me conta nos comentários o que você faz nos dias difíceis para se permitir esse conforto? 🖤
Um beijo,
Mari
Amiga, eu me vi tanto nesse seu texto! Mas taaaanto! Perfeito como sempre, você arrasa <3
Oi!
Eu nunca comentei em nenhuma news das 8645312 que eu leio rs, mas hoje o seu texto pinçou o "acho que as coisas estão conectadas" dentro de mim. Eu também acho! Aliás, eu tenho certeza.
Sou super alérgica e moro no ES, que tá frio de manhã, quente na hora do almoço e mais frio de noite, o inferno pra qualquer alérgico que ainda resta vivo rs. Esse fim de semana que passou visitei minha prima, que á mais alérgica do que eu. Ela mora no interior do estado e conversávamos sobre uma lavagem nasal que me deu noites descentes nos últimos dias e ela não achou na cidade dela. Trocando figurinhas, ela me falou sobre uma tal frequência de solfeggio e fui ver que dentre elas, tem uma pra liberar toxinas do corpo. Nós gostamos de fazer hoponopono e eu botei a tal frequência das toxinas pra tocar enquanto meditava. Pois eu melhorei da alergia, tive uma boa noite de descanso e ainda consegui dar o meu dispositivo de lavagem nasal pra ela. hahahaha Agora me conta, tá ou não tá tudo conectado? Então se eu posso aconselhar algo, é faça tudo que estiver disponível pra você. 15 bonequinhas debaixo do travesseiro, nãos necessários, incenso, chá e afins. Tem hora que a gente precisa de descanso e se não paramos por conta própria, o corpo dá um jeitinho de nos parar....
Sua escrita é muito inspiradora obrigada!
Um beijo, Ellen