A arte (terrível) de complicar o simples
#6 - excessos, exageros e o grande desafio que é descomplicar a vida
Oi, como você tá?
Eu estou de férias. Por semanas a fio, fiquei pensando em milhões de planos e atividades para preencher os dias, lugares que gostaria de visitar, possíveis viagens que poderia fazer, porque afinal de contas todo mundo no Instagram parece estar viajando e sorrindo em praias resorts monumentos-históricos-europeus e cabanas-em-campos-do-jordão e eu não poderia jamais sair de férias e simplesmente não ter algo esplêndido e digno de divulgação pra fazer. Mas acontece que este é também o ano em que estou de saída da casa dos meus pais, então, por mais que eu ame todas as coisas citadas anteriormente, optei por não fazer grandes gastos - além do simples fato de que tenho precisado fazer apenas Porra Nenhuma, com iniciais maiúsculas mesmo, e isso já seria motivo de sobra.
De uma forma ou outra, cá estamos, com tempo livre de sobra pra contemplar a vida e conversar comigo mesma, refugiada por alguns dias no sítio da família enquanto escrevo, em meio à Mata Atlântica e sem outras almas vivas que não sejam insetos à vista além da gente. E como já papeamos sobre em edições anteriores, lidar com o ócio e com o silêncio às vezes é um desafio tremendo - e sei que não é só pra mim. (Ou talvez eu só espere por isso.)
Arrisco estar sendo repetitiva nos meus últimos textos (em minha defesa, eu estava de dedos secretamente cruzados quando prometi que só ia entregar coisas legais aqui), mas penso que todo esse incômodo seja, na verdade, sobre estar tão acostumada a um enorme cardápio de estímulos e coisas e atividades que o simples assusta. A gente vive nesse bombardeio de uma forma quase neurótica, e todas as pequenas decisões do dia a dia se tornam doses de caos - o que escolher para vestir no armário entuchado de coisas. O que pedir no Ifood. Onde jantar. Que filme escolher no catálogo da Netflix (decisão que, inclusive, muitas vezes, morre na praia enquanto zapeamos as opções infinitas e já tá na hora de dormir). Qual analgésico tomar pra dor de cabeça. Qual sabor de caipirinha. Qual foto postar. Qual filtro pra uma selfie nos Stories. O que comprar. Em quantas vezes parcelar no crédito. Que conselho oferecer. Que conselho pedir. E assim por diante.
Escolher o que vai nos preencher se tornou um grande fardo (com licença, senhora, você tem cinco minutos para ouvir a palavra do livro O paradoxo da escolha?) e, como se isso não bastasse, costumamos escolher todas as coisas erradas, que mais esvaziam do que preenchem, e complicamos o simples de tal modo que às vezes já parece impossível achar a ponta desse fio emaranhado pra tentar desenrolar.
Por aqui, no meio desse mato todo, tô tentando começar a desenrolá-lo, por mais difícil que seja. Estar longe da (entre aspas, risos) civilização ajuda nisso, e os detalhes ganham uma dimensão que tô achando bonita. O andar descalça. O escrever no papel. O comer qualquer coisa que tiver no armário, porque o mercado mais próximo fica a quilômetros de distância. O sentar na varanda e de fato prestar atenção na música que tá tocando, ou então não colocar música nenhuma e só sentar mesmo. O bater papo com atenção plena ao que está sendo dito. O café que no dia a dia é preparado com mil parafernalhas e grãos especiais e aqui é apenas o coado com o pó que tiver no pote do armário, mas ainda assim parece ter um sabor diferente simplesmente por estar aqui fumegando na xícara enquanto a chuva cai do lado de fora sobre a grama. São coisas quase que despercebidas, mas que às vezes me pego tentando encaixar num post ou numa foto digna de Pinterest, que no fim não vale de nada.
(Sei lá. Talvez eu esteja virando meio bicho-do-mato mesmo, ou talvez só esteja encontrando, pouco a pouco, a minha vocação pra ser uma senhora camponesa um dia. Talvez ambos.)
Esse texto terminou em algo completamente diferente do que eu planejava quando comecei, como de costume, mas acredito que na escrita sai de nós o que tem que sair, então fico feliz por isso, mesmo que o começo e o fim não se conectem muito. (Acho que a essa altura você talvez já esteja se acostumando com isso.) De qualquer forma, o que fica pra mim é que gostaria de continuar descomplicando o simples que complicamos, mesmo depois das férias acabarem. Eu sei, a teoria parece meio romântica, e pra essa doida acelerada aqui, praticar será outros quinhentos - mas tentar nunca matou ninguém.
(Não nesse contexto, pelo menos.)
Um beijo,
Mari
Dicas Que Ninguém Pediu (Mas Que Eu Dou Mesmo Assim)
Livro da semana:
Aproveitando o embalo do tema dessa newsletter, eu não podia deixar de indicar um dos meus livros favoritos da vida (o que também vem a calhar porque não terminei o livro que estou lendo a tempo de botar aqui) - Linha M, da Patti Smith!
Quem me conhece sabe o quanto sou fã desta senhora maravilhosa, artística e atemporal, mas se você não me conhece, digo novamente sem problemas: sou muito fã desta senhora maravilhosa, artística e atemporal. E é com muita delicadeza que ela passa, em Linha M, por todos os lugares que formam o “mapa para a sua vida” e costuram suas reflexões pessoais.
Me lembro de pegar o livro pela primeira vez, esparramada no tapete, bem no pedacinho onde o sol bate de manhã, com uma lapiseira pra rabiscá-lo e um café pra acompanhar, e de ter ficado arrebatada logo nas primeiras palavras, sentindo um monte de emoções misturadas e achando bonito como o simples pode virar algo tão poético, inclusive o tapete banhado no sol e o café esfriando na xícara porque esqueci de tomar enquanto virava as páginas. ♡
Linha M (e tudo que Patti toca) é uma mistura linda demais de vida com ficção, o impulso de ler e escrever e rabiscar e continuar fazendo arte porque é tão vital quanto respirar. Terminei com aquela sensaçãozinha dolorosa mas gostosa de luto, de querer ler tudo de novo, de me emaranhar nas palavras, e sigo sentindo todas as vezes que releio. (Que são muitas.) (Na verdade, vou fazer isso de novo agora.)
Filme da semana:
O Oscar tá chegando - e eu sigo firme tentando riscar todos os indicados da lista, mesmo sabendo que não vai dar tempo de fazer isso, tal qual absolutamente todos os anos. De qualquer forma, assisti ao Tick, Tick… Boom!, que está disponível na Netflix, e achei que merecia a indicação aqui. O longa acompanha a vida de Jonathan Larson, o compositor e escritor da famosérrima peça Rent - que ficou apenas DOZE anos em cartaz na Broadway! -, no período em que tentava finalizar e emplacar seu primeiro musical, Superbia.
Não sou uma grande fã de musicais (na verdade, gosto bem pouco, vale mencionar), mas o filme já vale 100% por Andrew Garfield, que entregou absolutamente tudo na sua interpretação de Larson - inclusive na cantoria. Tá aí um forte candidato a levar a estatueta de Melhor Ator!
Som da semana:
Um pouco de Caetano não faz mal a ninguém - na verdade, muito Caetano é um benefício cientificamente comprovado para a saúde. Nessa semana, eu entrei num looping infinito do icônico Transa, talvez embalada pelo pós-carnaval, talvez embalada por um freela no qual pude falar desse disco, ou talvez apenas embalada pelo privilégio que é poder ouvir Caetano Veloso. ❤ De qualquer forma, fica aqui a recomendação sonora pra segundar, com esse mix maravilhoso de rock e tropicália e Bahia que a gente tanto ama!
Rolê da semana:
Olha, eu tô tentando simplificar a vida, mas o dois por um me obriga a seguir visitando bares e restaurantes instagramáveis por São Paulo! Nessa semana, antes de seguir para o mato, almocei com uma amiga no Café Habitual, uma casa fofa e cheia de tijolinhos nos Jardins que conta com um menu de cafés especiais e pratos com um toque mediterrâneo para saborear em qualquer horário até o final do dia.
Para beber, escolhemos o Sahara Spring, drink a base de espumante, licor de gengibre, hortelã e chá de hibisco, porque mulheres cansadas merecem beber no almoço. Quanto aos pratos, fomos de salmão grelhado (com batatas doces assadas, salada e molho de iogurte com tahine verde) e de steak sandwich de filé mignon (com geleia caseira de cebola, tomate, rúcula e aioli). Optamos por pratos mais frescos devido ao calor infernal, mas ouvimos dizer que os ovos beneditinos à moda turca são o carro-chefe da casa - já quero voltar para provar! (Em um dia que não estiver fazendo mais de 30 graus, de preferência.)
E claro, como sempre, temos lindas imagens:
Outros conteúdos que valem a pena na internet:
- Algumas newsletters ótimas que tenho lido: Queria ser grande, mas desisti, da Bárbara Bom Angelo, as boas notícias da catita (amo!) e Lembretes (nem sempre gentis) do meu amigo maravilhoso Gabe.
- O último episódio do podcast (talvez o que mais ouço) 451 MHz, da quatro cinco um, sobre mulheres e relacionamentos abusivos, com a participação especial de uma autora nacional maravilhosa: Carla Madeira.
- Esta receita que não podia faltar, sendo eu mesma a cadelinha de Rita Lobo que sou, de um sanduíche lindíssimo e delícia de abacate, bacon e ovo.
E por hoje é só! :)
ahhh adorei a indicação <3 obrigada!
Escolher é cansativo! Aqui em casa fazemos revezamento das escolhas.