As nossas quinquilharias sentimentais
#8 - sobre memória, lembranças e objetos que insistimos em amar
Oi, como você tá?
Eu perdi uma caneca essa semana. Spoiler: Já achei. Não importa, não era esse o ponto. O ponto é que, durante os dois dias em que achei que a havia perdido, fiquei completamente obcecada com isso. Eu trouxe essa caneca da feira de San Telmo, em Buenos Aires, quando visitei a cidade em 2020. Ela é feita de cerâmica, em um tom irregular entre o terroso e o rosado, e pintada por dentro de um roxo envernizado. Me lembro de tê-la comprado porque, além de ser viciada em colecionar canecas, achei curioso como ela parecia estar do avesso, com o lado envernizado para dentro e o áspero para fora. E também porque o preço era ridículo. (Motivo pelo qual acabei trazendo também um incensário e um porta-joias.)
Eu não me considero uma pessoa particularmente apegada a objetos - gosto muito de manter a decoração e as brusinhas do armário em dia, mas com a mesma facilidade também me desfaço do que compro quando sinto que não faz mais sentido para mim. Meu quarto tem poucos objetos à vista (isso não inclui, obviamente, minhas estantes de livros), e o acúmulo de coisas costuma me dar calafrios. Mas, de uns tempos para cá, comecei a perceber que reluto em me desfazer de algumas quinquilharias, e que elas permanecem guardadas por um certo motivo. Que é: alguns objetos, apesar de objetos, guardam memórias - e talvez eu seja, sim, sentimental a ponto de querer mantê-las capturadas dentro de um espaço físico.
O dia em que comprei essa caneca é uma das lembranças mais felizes que tenho até hoje. Fábio e eu passeamos pelas ruas de Buenos Aires, sob um sol assustador de 35 graus, até os pés cansarem e dizerem chega. Andamos pela feira de cabo a rabo, almoçamos uma famosa milanesa, esperamos numa fila interminável para comprar sorvete de doce de leite. Nos perdemos pelas casas coloridas de Caminito, tomamos um suco extremamente superfaturado em Puerto Madero. À noite, saímos sem rumo por Palermo, decididos a fazer um tour de bares, uma cerveja em cada um, como tanto já fizemos em São Paulo - mas, bêbados e exaustos, mal aguentamos até as dez da noite.
Me lembro de sentir o coração inflando dentro do peito, aquela sensação gostosa que nos atravessa quando estamos viajando, de que o mundo é grande e a liberdade não é, necessariamente, uma utopia. É ela que ainda me atravessa um pouquinho quando encho a célebre caneca de café pela manhã, com um aperto melancólico que também acompanha a costumeira saudade de ser viajante e que, muitas vezes, me faz refletir sobre outras possibilidades de conduzir a vida e ocupar meu espaço no mundo.
Acho que, no fim das contas, somos nós que conferimos significado às nossas quinquilharias - e muitas vezes, elas podem ser pequenos lembretes à vista de que as angústias do presente não são permanentes, e que as portas, por mais clichê que isso seja, estão abertas por aí.
Um beijo,
Mari
Dicas Que Ninguém Pediu (Mas Que Eu Dou Mesmo Assim)
(INFORME: nesta edição não teremos rolê da semana por motivos de: não registrei nenhum. Perdoem esta blogueira relapsa.)
Livro da semana:
Meu livro lido nessa última semana foi uma grande decepção e, portanto, não vou gastar este ilustríssimo espaço falando dele (mas no Instagram, onde tenho muito menos critério, já falei). Queria aproveitar pra indicar uma leitura que acabou ficando de fora das últimas newsletters, e que foi uma das melhores do ano até agora (sim, eu sei que ainda estamos em março): Mau Comportamento, da Mary Gaitskill!
Nessa coletânea de contos, a autora reúne muitas coisas fascinantes em um livro só: os anos 80, relações imperfeitas, pessoas vulneráveis e, é claro, uma enorme dose de depravação humana. Achei incrível como a autora explora esse nosso lado reprimido, dos desejos inconfessáveis, dos fetiches, das obsessões e dos erros, de formas tão originais. O último conto, te garanto, é uma obra-prima que vale por todos - fiquei com ele dias e dias na cabeça! Amo quando isso acontece ♡
Filme da semana:
Antes de mais nada, venho aqui humildemente anunciar que, mais uma vez, eu me propus a ver todos os filmes do Oscar antes da cerimônia e, como sempre, falhei miseravelmente - e ainda não consegui formular uma opinião sobre os premiados nestas últimas dez horas. (Não que vá fazer alguma diferença.)
De qualquer forma, essa semana fiz algo que não fazia há muito tempo, que é: sentar pra assistir uma animação! Não sou uma grande fã das produções da Disney, mas a Pixar tem um espacinho especial no meu coração - e o novo longa, Red: Crescer é uma fera, é ainda mais especial por ser o primeiríssimo dirigido por uma mulher ❤.
O filme acompanha Mei, que, ao completar 13 anos, começa a vivenciar as dores e delícias de se tornar adolescente, com um pequeno adendo: fortes emoções a fazem se transformar em um panda vermelho - herança de família. Aplausos pra Domee Shi, que conseguiu nos arrancar risadas e lágrimas com um olhar tão sensível sobre amadurecer e ter coragem de nos assumirmos como nós mesmos na vida! Recomendo até pra quem não é muito do time animações (meu caso). :)
Som da semana:
Acho que os álbuns que escuto durante a semana refletem muito do meu humor naquele determinado momento, e se essa semana tô só a tiete de Laura Marling, provavelmente significa que estou me sentindo linda, adorável, profunda e melodiosa. Tenho ouvido muito o álbum Semper Femina, de 2017, meu favorito dela (mesmo embora todos sejam perfeitos): uma obra-prima do folk com um toque romântico, outro meio místico e muitas letras belíssimas sobre o ser mulher neste mundo.
Recomendo demais ouvir o álbum todo (por acaso já decepcionei vocês com uma recomendação aqui? Se a resposta for sim, não responda), mas, se quiser uma indicação de música, comece por Wild Fire ♡
Outros conteúdos que valem a pena na internet:
Taylor Hawkins (💔) cantando Somebody to Love, do Queen. Que descanse em paz!
Um pouco atrasada, mas: a Glória Maria no Roda Viva foi uma aula de jornalismo e de vida! Maravilhosa!
Essa matéria do Nexo sobre o Zettelkasten, um sistema de organização para ideias.
E por hoje é só! :)
Edição maravilhosa - só pra variar 😜❤️