A Só Delas está de volta - e de carinha atualizada!
Ler e ouvir um pouco de cada uma das mulheres incríveis que fizeram parte da primeira edição me fez perceber que eu queria mais, queria mais indicações, mais opiniões, tinha muitas perguntas a fazer para todas elas; alguns parágrafos simplesmente não seriam suficientes. Por isso, agora teremos uma única entrevista por edição, mais completa e aprofundada: um espaço para dar lugar às mulheres de quem não abro mão de me rodear - virtualmente ou presencialmente.
Espero que gostem! Pega o café e vem ☕
Um beijo,
Mari
A nossa convidada de hoje é a Andrea Sarno: uma capricorniana que aprendeu cedo a mergulhar fundo, em si e nos outros. A Andrea é muitas coisas, muitas mesmo, dentro e fora do currículo: paulistana, apaixonada por cozinhar, por mergulho, por ouvir histórias, pintar mandalas e se conectar com a sua feminilidade. Administradora pela PUC-SP e pós-graduada em Empreendedorismo pela FGV, é também a fundadora da Avena, consultoria especializada em desenvolvimento humano por meio de mentorias e treinamentos especializados.
Além de tudo, a Andrea faz parte da família (olha o privilégio!): é casada com um primo meu muito querido e, juntos, os dois fundaram a metodologia Diving Day, que propõe o uso do mergulho recreativo para o desenvolvimento de times e pessoas, com foco em inteligência emocional e saúde mental. Foi um prazer ouvir e ler todo esse tanto sobre a sua jornada, que amo poder acompanhar fora das telas também.
Como a Andrea se define na vida?
Sou alguém que gosta da vida, e hoje sabe valorizar cada momento, cada aprendizado. Que quer mergulhar mais e mais, em lugares desconhecidos, nas histórias de vida das pessoas e em mim mesma. Gosto de cozinhar, de ouvir histórias, de pintar mandalas, de admirar a potência da lua e de resgatar, aos goles, minha feminilidade. Amo a natureza, sou uma boa amiga, dizem, uma pessoa batalhadora, forte e aprendiz de mim mesma. Sou da terra, do mar, da cachoeira, prática, direta, mas também profunda. Quero ser lembrada como uma mulher corajosa, amorosa, desbravadora, competente, a que ajudou os outros a se cuidarem e que soube começar a fazê-lo por si.
Você é uma das minhas grandes referências quando penso em desenvolvimento de competências humanas e inteligência emocional. Como seu caminho pessoal se cruzou com essa missão?
Já sabia que queria trabalhar em consultoria de RH desde a faculdade. Comecei trabalhando com a parte mais hard, na área de Remuneração, mas fui convidada logo no inicio da carreira para ser consultora em desenvolvimento humano. Topei na hora, e me apaixonei por esse mundo. A partir daí, fui desbravando metodologias, teorias e aprendendo muito com outros consultores e na vivência com clientes.
Foi daí que surgiu a Avena? Como você amadureceu o processo de empreender?
A Avena surgiu em 2006, depois que tive meu segundo burnout. Tive que me reinventar, sem deixar o que eu sabia e gostava de fazer de lado. Apesar de sempre ter querido ter minha própria consultoria, no pós-burnout o que eu menos queria era ser consultora, ou estar em contato com grandes empresas; então, inicialmente, a Avena seria um espaço para oferecer terapias complementares (aromaterapia, massoterapia, cromoterapia, etc), mas o investimento estava além das minhas possibilidades no momento. A partir daí, fui encontrando uma forma de unir o propósito da Avena com o que sei fazer bem: as terapias complementares saíram de cena, e ele se tornou a Avena Consultoria.
O que aprendi em todo o processo é que preciso acreditar no que eu faço - e acreditar que eu faço bem. Aprendi também que sempre há espaço, e parcerias são fundamentais nesse mercado. Uma máxima que aprendi na época que fui consultora em multinacional: você não precisa saber tudo, só o telefone de quem sabe. Levo isso para a vida. Me ensinou a pedir ajuda e a cultivar uma rede de apoio, além de ser uma forma deliciosa de fazer novos contatos, conhecer gente diferente. Acho que o amadurecimento no empreender é todo dia, na vivência. Os conceitos são importantes, mas na prática a aplicação precisa ser muito ajustada.
Onde entra o mergulho em tudo isso?
O mergulho entrou na minha vida para valer em 2002. Eu era consultora em uma multinacional, e trabalhando o tema inteligência emocional com as equipes e, durante um mergulho, me dei conta de que eu tinha vivenciado todas as competências que compunham a tal Inteligência Emocional no processo. A partir daí, comecei a usar o mergulho como uma ferramenta de autoconhecimento pessoal (e faço isso até hoje!), ampliando minha consciência de corpo e emoções.
O mergulho me mostrou que o vivenciar as competências é muito mais potente do entendê-las conceitualmente. Levar a proposta para as empresas, no entanto, foi um obstáculo por um bom tempo: era uma prática ainda vista como arriscada, além de exigir um custo mais alto do que treinamentos/workshops conduzidos em “sala de aula”. Mais para frente, em 2017, o Paulo (que, além de meu parceiro para a vida, é instrutor de mergulho) resgatou o rascunho do projeto e prototipamos um programa direcionado a indivíduos, e não empresas, que acabou não dando muito certo (patinamos na comunicação, divulgação… enfim, mais aprendizados sobre empreender! rs); em 2021, foi inaugurada uma escola de mergulho em Cotia (SP), com piscinas e lagos, o que nos permitiria ministrar workshops de mergulho sem a necessidade de viajar ao litoral. Firmamos uma parceria e fizemos um piloto com a diretoria de uma grande empresa. Deu super certo!
De lá para cá, a metodologia tomou forma, foi lapidada, apresentada no Congresso Brasileiro de Treinamento e Desenvolvimento e, atualmente, já são mais de 70 participantes do workshop. Desenvolvemos, inclusive, um “spin-off” do workshop só para mulheres, num mini cruzeiro por Ilha Grande (RJ), com o propósito de vivenciar o mergulho como prática de autocuidado e autoconhecimento, além de estimular conversas e reflexões profundas, por mulheres e para mulheres.
Mais um aprendizado do empreender: não abandonar o propósito e ter paciência, resiliência. Por mais que a ideia seja maravilhosa, há muitas variáveis que interferem na execução, inclusive a maturidade do mercado para absorvê-la. Só ter foco e vontade não basta.
Para você, mergulhar - literalmente ou não - é...
....tudo. Lazer, trabalho, meio de encontrar pessoas, mas principalmente uma forma de continuar em conexão comigo, com a natureza e com pessoas queridas.
A Síndrome de Burnout apresenta dados assustadores e desenfreados no Brasil e no mundo. Você a vê como um sintoma de nossos tempos ou como uma somatização que apenas recebeu um nome agora?
O Burnout é estudado há muito tempo, desde a década de 70. Não é um fenômeno atual. Antes, no entanto, os mais vulneráveis a essa síndrome eram os profissionais relacionados a cuidados com outras pessoas, como enfermeiros, médicos e educadores, que tinham uma sobrecarga de trabalho muito grande. De uns tempos para cá, essa mentalidade crescente do “trabalhar enquanto outros dormem”, do produzir mais com menos e de outros valores que aumentam e valorizam a competição, o individualismo, a produtividade e invulnerabilidade, provocou o burnout ou esgotamento em outras profissões. Mas falar sobre estresse e saúde mental sempre foi um tabu.
Acredito que a pandemia trouxe a percepção de um limite importante nessa dialética. Ter uma definição na OMS, um código de fenômeno organizacional no CID-11, também ajudou a visibilizar e desconstruir a banalização do tema, apesar dos muitos obstáculos ainda enfrentados. Nem todo cansaço é estresse ou esgotamento, assim como nem toda tristeza é depressão. É preciso cuidado com rótulos, mas não podemos jamais negligenciar os sintomas.
As mulheres são reconhecidamente mais afetadas pela síndrome e por quadros relacionados à sobrecarga. Como podemos falar de desenvolvimento de inteligência emocional com a inclusão das problemáticas de gênero?
Apesar de ser um fenômeno ocupacional, majoritariamente causado pela sobrecarga de trabalho, há vários fatores que levam ao burnout. Não podemos deixar de colocar luz no esgotamento que impacta as mulheres com jornadas duplas, triplas... Até mesmo outros fatores dentro das empresas, como a autonomia para desempenho de funções, equidade salarial, a comunidade, o reconhecimento e a cultura organizacional. Quando colocamos a ótica sobre a questão de gênero, percebemos que, em todos esses fatores, as mulheres, e minorias no geral são, em muitas vezes, afetados diretamente.
A boa notícia é que mulheres também tendem a ser mais abertas à busca pelo autoconhecimento e pela conexão. Ser capaz de conectar-se com si e com outras mulheres, desenvolvendo uma rede de apoio, é uma base fundamental nessa jornada.
Se você pudesse dar apenas um conselho para as Mulheres Exaustas que a leem agora, qual seria?
Você já prestou atenção naquela orientação dos voos? “Coloque primeiro a máscara de oxigênio em você e depois no outro”. É isso. Não há como pensar em desempenho, em produtividade, em relações saudáveis e até mesmo em um descanso pleno se não estivermos atentas à nossa própria demanda de autocuidado. Priorize-a.
Me indica uma produção feminina que você tenha lido, assistido ou ouvido recentemente?
Assisti a uma peça linda, Velha D+, com reflexões importantíssimas sobre feminismo e etarismo e uma atriz potente, a Fera Carvalho Leite. Também indico o livro Costuras, da Andrea Fortes, além do oráculo que lançou recentemente com o mesmo nome. Na minha anti-bibioteca (tema que aprendi, justamente, nas costuras da Andrea Fortes) também está o livro Nós, da Tamara Klink, que tenho acompanhado pelo Instagram. Uma jornada de muito aprendizado e reflexão.