Você sabia que existe um peixe que tem a capacidade de penetrar orifícios do corpo humano (sim, pense nos piores)? Ele se chama candiru, nome espirituoso para uma manifestação perversa da natureza. Já parou para pensar que existe uma remota chance, mesmo que quase ínfima, próxima a zero, de que esse infortúnio aconteça com você um dia, caso decida casualmente tomar um banho de rio em águas amazônicas? Ou então: já parou para pensar de verdade no fato de que, se você tiver o azar de comer uma simples salada que foi mal lavada, um mísero alface, você pode ingerir ovos de um parasita capaz de liberar larvas na corrente sanguínea que se instauram no seu cérebro e fazem o que quiser lá dentro? Eu tenho essas pequenas informações salvas na minha memória, em partes porque sempre adorei pesquisar curiosidades do mundo científico no vórtex da internet, e em partes porque é o que restou de todas as aulas de biologia nos tempos de colégio, nunca foi minha matéria favorita mas sempre fez com maestria o seu papel de me impressionar com a sádica criatividade do universo em diversificar minhas possibilidades de morrer, ou ficar seriamente incapacitada, ou precisar de exames e procedimentos médicos igualmente horríveis e criativos. A cada descoberta, um medo desbloqueado.
Tem algo muito curioso no ato de desbloquear novos medos, seja lá qual for; medo de doenças mirabolantes, medo de uma criatura que já estava lá todo esse tempo, vivona e vivendo, inclusive muito antes de eu estar aqui, um risco que eu, em algum nível, já corria desde o meu primeiro dia de vida, mas que só ganha dimensão quando alcança minha consciência; medo de ficar presa no elevador do prédio, ele é antigo e vira e mexe alguém precisa ser tirado dele, nunca aconteceu comigo mas pode; medo de vomitar; medo de abandono; medo de falhar em uma tarefa importante; medo de decepcionar; medo de perder uma pessoa imprescindível. Dos mais terrenos aos mais abstratos, um monte de coisas e acasos e possibilidades que simplesmente existem e ponto. O que escapa ao nosso controle é mesmo assustador.
Eu, particularmente, gosto de desbloquear medos: eles sempre me contam algo novo sobre mim. Mas gosto de desbloqueá-los, especialmente, porque são eles que dão margem para a minha coragem tomar forma. Tenho um pouco de medo de estar aqui escrevendo, mas escrevo mesmo assim; às vezes tenho medo de dizer eu te amo, de pedir ajuda, de pedir um ombro, ouvidos, medo da rejeição, mas peço assim mesmo. Tenho medo de dizer não quando preciso e sim quando desejo, mas tenho tentado me apropriar dessas palavras. E sigo cometendo a ousadia das verduras cruas no restaurante por kilo, ciente dos perigos microscópicos (mas acho que isso não importa muito). A existência da coragem pressupõe a existência do medo, o solo fértil onde ela encontra chão para desabrochar e ao qual há que se destinar um pouco (tanto) de gentileza também.
Um beijo,
Mari
notas de rodapé
Na última edição, falei um pouco sobre o quanto tenho estado cansada e, aos poucos, catando por aí os pedacinhos de mim mesma que ficaram perdidos pelo caminho enquanto eu cedi ao caos. Nessas últimas semanas, um tanto quanto difíceis, uma porção de coisas - e pessoas - me sustentaram e me ajudaram a retornar a um estado de inspiração e conforto. Deixo aqui algumas delas:
☕ 36 horas de cafés por Tokyo
🌱 Estou começando a ser quem eu sempre fui - esse texto tem falado muito comigo
📚 Esse vídeo delícia da Babi Bom Angelo sobre os livros de sua vida (aumentou tanto a minha lista!)
💿 Compramos uma vitrola de entrada aqui em casa e estamos começando a experimentar esse troço muito bacana que é colecionar discos! Alguns que já estão tocando sem parar e que fazem parte dos meus favoritos da vida são Grace, do Jeff Buckley (meu álbum da vida!) e Brotherhood, do New Order
🔙 Tive um papo muito gostoso sobre mudanças de rota, trabalho e vidas possíveis com a querida Gabi Albuquerque, da newsletter Tempo para você, que me deu muito o que pensar
📚 O livro Escrever sem medo, da Jana Viscardi - para o próximo encontro do clube de leitura da Catita
☕ O hábito de passar para buscar um cafezinho e um banana bread desse café aqui, que amo muito, no caminho para o trabalho
🌊 Não sou (só) eu quem me navega
📚 A famigerada lista dos cem melhores livros do século pelo New York Times - todo mundo viu, todo mundo já falou, mas não posso negar que também me rendeu ótimas horas pesquisando títulos que me despertaram interesse. Compartilho aqui o que fui marcando de lido e o que entrou (ou já estava) para a lista de leitura:
🥂 E para finalizar, esse registro de um fim de tarde muito gostoso com as maravilhosas , , e - como é bom poder falar (e fofocar rs) sem parar com as mulheres mais interessantes da internet!
Medo é bom que protege, desafiá-los é aprender nossos limites. :)
Obrigada por me citar e pelo encontro!
Que edição deliciosa! E adorei aparecer aí 2x... obrigada <3.
Btw, eu preciso confessar que evito comer carne de porco por medo de mandar a neurocisticercose pra dentro do meu corpinho! Sei que é pira... mas é raríssimo eu comer carne de porco fora de casa.